Como é a alfabetização de surdos no Brasil?
A alfabetização de crianças e jovens surdos no Brasil é um tema bastante debatido, especialmente no que diz respeito a qual o melhor método.
De um lado, temos aqueles que defendem a relevância de uma Educação inclusiva, realizada em escolas regulares. O principal argumento dessa linha de pensamento é a importância da convivência com os outros alunos, algo essencial para o desenvolvimento.
Porém, há outro grupo — composto por boa parte da comunidade surda — que acredita ser melhor, pelo menos até o 5° ano do Ensino Fundamental, que o ensino ocorra em instituições bilíngues, cujo principal idioma seja a língua brasileira de sinais (LIBRAS).
Ambos os grupos concordam em um ponto, o de que crianças e jovens surdos precisam ser alfabetizados em libras para aprender a língua portuguesa. A escolha é fundamental nesse aprendizado.
Alfabetização em libras: por que é tão importante?
A língua não se restringe a uma forma de comunicação, é também uma função reguladora do pensamento. O psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) fez essa afirmação na obra “A Formação Social da Mente”. Dessa forma, aprender a linguagem de sinais é determinante para que as crianças surdas tenham melhores chances de desenvolvimento.
De acordo com o Programa de Avaliação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo Brasileiro (Pandesb), aqueles que aprendem Libras têm mais facilidade para ler e escrever em português. Essa prova avaliou competências como compreensão de textos e de sinais, além da qualidade de escrita de mais de 9 mil estudantes surdos em 15 estados.
Escola inclusiva
O conceito de escola inclusiva, aquela que é aberta a todos, se baseia na ideia de que o processo de desenvolvimento depende do convívio com as diferenças. O alicerce para uma sociedade mais inclusiva e justa é construído na Educação Básica.
Do ponto de vista pedagógico, na escola inclusiva é necessário atender cada um da melhor forma possível, considerando os diferentes ritmos e formas de aprendizagem. As estratégias adotadas devem gerar benefícios para todos.
Nessa convivência, torna-se possível para os ouvintes aprenderem a linguagem de Libras e para os surdos estabelecerem outras formas de comunicação, além da língua de sinais.
Uma escola ideal é aquela que inclui e garante que todos os alunos terão acesso ao aprendizado. Porém, para chegar a esse resultado, é necessário saber como fazer funcionar na prática, quais medidas tomar enquanto não há resolução dos problemas.
A escola inclusiva funciona na prática?
A inclusão no âmbito educacional não pode ser apenas um discurso, precisa estar baseado em políticas públicas efetivas. O investimento na formação adequada de professores para o ensino de Libras é uma das medidas que precisam ser tomadas.
Para se ter uma ideia, o Brasil tem mais de 2 milhões de professores, porém, destes apenas 6.507 foram certificados, entre 2006 e 2012, pelo Programa Nacional para Certificação de Proficiência no Uso e Ensino da Língua Brasileira de Sinais (Prolibras), do Ministério da Educação (MEC).
Devemos mencionar ainda a falta de intérpretes e de uma estrutura inclusiva nas escolas. Além disso, em muitos casos o estudante surdo está inserido em um universo de estudantes ouvintes sem outros surdos para compartilhar experiências.
Escolas bilíngues
Os problemas estruturais da escola inclusiva, que apresentamos acima, têm sido utilizados como argumentos por aqueles que defendem a necessidade de uma escola bilíngue em libras-português. Embora a Lei nº 9394/96 e o Decreto Federal nº 5.626, de 2005, garanta aos estudantes surdos o direito de ter Libras tratada como sua língua materna, isso não acontece na prática nas escolas regulares.
Nos casos em que ocorre o Atendimento Educacional Especializado (AEE), geralmente o mesmo se dá no contraturno e em poucos dias por semana. Esse tempo reduzido é insuficiente para que o estudante aprenda a linguagem de sinais como seu primeiro idioma.
Quando os estudantes surdos não desenvolvem o conhecimento da língua materna, encaram os gestos, realizados pelo intérprete, como códigos que não fazem sentido, assim como acontece com palavras e números.
Outra questão pertinente nesta discussão é que boa parte das escolas adota como método de alfabetização o fônico, isto é, que se baseia nos sons das letras. Nessa metodologia, a tradução literal feita por um intérprete em sala de aula não funciona. A língua portuguesa deve ser ensinada para os estudantes surdos a partir de métodos condizentes, com maior apoio no uso de recursos visuais.
Todos esses problemas se refletem em uma baixa presença de crianças surdas em escolas regulares. Apesar do número de matrículas estar aumentando, ainda é pouco significativo. Visando garantir a aprendizagem dessas crianças, a comunidade surda tem se colocado a favor do ensino realizado exclusivamente com foco no atendimento dessas necessidades.
Escolas bilíngues são mesmo a melhor opção?
O grupo favorável a um ensino exclusivo para surdos influenciou mudanças na meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, em tramitação no Congresso. Essas alterações abrem a possibilidade do atendimento em escolas bilíngues. Porém, será que essa é a melhor opção?
Essa alternativa não é a ideal porque não garantirá o acesso a todos. Seria extremamente difícil manter escolas bilíngues em todos os bairros de todas as cidades do Brasil.
Devemos ressaltar que o acesso à escola é um direito de todos. Há também o fato de que nesse formato as crianças são privadas de conviver com o diferente. A melhor solução seria que as escolas regulares fossem capacitadas para prestar um atendimento inclusivo de qualidade.
Políticas públicas
É determinante que sejam elaboradas e aplicadas políticas públicas com foco no suporte à inclusão das crianças surdas nas instituições regulares. O ambiente escolar precisa ser transformado, passando a contar com livros, filmes e demais materiais adaptados.
Também é importante apostar em sinalizações nas duas línguas, assim como na contratação de mais funcionários surdos. A formação de educadores deve ser uma das prioridades para que haja mais profissionais capacitados que possam levar a linguagem de sinais para o dia a dia.
A inclusão na alfabetização de surdos precisa sair do discurso para a ação.