NATAL LITERÁRIO
Meia-noite na casa da poesia
É Natal e a noite solitária na casa do poeta parece fazer daquela data um espaço vazio cheio de prateleiras, papéis, verbos imaginados e espaços na mesa de jantar.
O sentido natalino começa pautar suas inspirações para a noite de um homem só, quando de repente toca a campainha. Quem será? Ele não espera ninguém.
O olhar curioso pelo olho mágico revela alguém que ele conhece, tem intimidade, mas nunca aparecera por ali.
– Entre, fique à vontade.
A mulher perfuma a casa e com seu olhar oblíquo beija a bochecha do anfitrião, entra e senta-se à mesa.
-Aceito do que bebe.
O poeta de imediato serve a bela mulher de olhos grandes e úmidos.
-É Capitu… Capitu está em minha casa.
Toca a campainha. Dois sujeitos aprumados e fardados esperam gesticulando. Nem bem o poeta abre a porta e ambos entram desejando feliz natal e discutindo algo sobre falar tupi-guarani no Brasil.
-Espera, o que está acontecendo aqui? – pergunta o poeta que não entende, mas sente que sua pergunta não agrada aos três visitantes que olham atônitos o seu questionamento. Percebe que incomoda, quando o sargento Leonardo se oferece para servir o copo de Capitu. Esta, por sua vez, troca olhares com o Major Quaresma que nem percebeu, pois estava conferindo a coleção de livros de José de Alencar na prateleira do anfitrião.
– Que Natal! Isso está parecendo um encontro surreal daqueles que vemos em filmes.
Mais uma surpresa rápida. Sem tocar a campainha entre um sujeito baixinho, deita no sofá e dorme.
-Ei, quem é você? Ou melhor, quem pensa que é para entrar e…
-Estou com preguiça de falar, me deixa descansar pra hora da ceia.
Pousa uma borboleta negra no ombro do poeta. Um calafrio precede a entrada de um vulto bem vestido e arrogante, discursando sobre a importância do natal e de sua presença naquela residência livresca.
-Sou Brás, lembra-se?
-Sim, minha memória está viva. Entre, sente-se.
-Não posso, estou me livrando desta gentalha aqui na porta de sua casa. Essa família de retirantes e este louco não param de mendigar um trocado, hoje é Natal, quero um pouco de paz.
O poeta percebe que o tal louco é seu amigo desde a infância, o Quincas. Ele entra e fica contente de reencontrar o Major Quaresma. Sentam à mesa e começam a filosofar.
O poeta ouve uma discussão. Macunaíma acorda do sofá e começa querer brincar com as vergonhas de Capitu. Leonardo intercede: – Está se achando o malandro, seu silvícola.
Brás Cubas começa a servir-se do que havia pra comer, quando lembra o poeta da família pobre que o espera do lado de fora. Ouve-se um latido. Fabiano tenta acalmar sua cachorrinha, a Baleia.
– Entrem todos! Sentem-se.
Um silêncio percorre o ambiente, interrompe o ronco de Macunaíma que voltara a dormir, o tilintar dos talheres de Brás, o cortejar malandro de Leonardo, o olhar cigano e fugidio de Capitu e o nada dizer de Sinhá Vitória que colocava os meninos sentadinhos à mesa. Quincas abandona o purê de batatas, enquanto Policarpo Quaresma enxuga uma lágrima de emoção.
– Por favor, silêncio! Falta um minuto para meia-noite – alerta o poeta emocionado.
O sino da igreja marca o Natal e de dentro de sua alma o poeta conclui:
-Natal é tempo de compartilhar as emoções com aqueles que te completam, com aqueles que te fazem mais humanos e estão presentes não um dia, mas o ano todo. Obrigado pela mágica presença, não só hoje, mas desde que li meu primeiro livro. A magia literária do Natal uniu as confusões de todos vocês à minha solidão. E esta passou a ser a grande noite de minha vida.
Todos brindam e como mágica significam o Natal do poeta que pode dormir, enfim, uma noite feliz.